quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

notas de iphone #4




1. No princípio havia qualquer coisa que havia de dar muito.

2. Para compensar a irregularidade da Terra, soma-se um segundo de vez em quando.

3. Espaço vazio dentro dos átomos e
    O primeiro beijo

4. Prever Laplace
    Sincronização de pirilampos
    Do flying donkeys exist? David Lewis says yes

5. 22 às 11 dentista 
    Fabric Cosmos
    A reunião
 
6. Como se chamava o vazio do espaço?

7. Um quarto arrumado é só um quarto à espera de ser desarrumado.




quinta-feira, 18 de maio de 2023

notas de iphone #3
















 1. meia amarelas

    malas pequenas

   

2. rifas antes do tempo

    nunca mais chegamos


3. o infinito é muito grande

    

4. não saber as coisas

   o que é que se ouve quando não se ouve nada?


5. espelho embaciado e coisas de avó


6. buraco

   vigiam-se

   23 às 12


7. a natureza não se deixa medir


8. elas falam, é mesmo verdade





segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Esperas














Hoje é um daqueles.

Daqueles dias, sabem?


Não pára de chover.

O sol não aparece.

A banana está verde.

O bolo não cresce.

O mano não acorda.

O Tobias ressona.

A televisão não liga.

O computador não funciona.

O sapato não entra.

O cabelo não cresce.

As mãos estão frias.

O chá não arrefece.

O relógio não anda.

O refrão não chega.

Nunca mais chegamos.

E este poema

Que não acaba?


É que nada acontece

Quando é suposto acontecer.

Eu a soprar o chá

E parou de chover.

O rio já corre

O morango aparece

O chá ficou frio

E eu lá fora

A remar até oeste.





domingo, 27 de setembro de 2020

Contar elefantes

Ter medo de trovoada é calcular a distância nos segundos que separam o clarão do ribombar das janelas. Saber um segundo no tempo de dizer a palavra "elefante": a distância fonética entre a tromba e a cauda da palavra é mais precisa do que qualquer relógio atómico.

Várias as noites em que adormeci embalada pela contagem de manadas, adivinhando-as já longe. Contar elefantes como final da tormenta.






segunda-feira, 18 de maio de 2020

De manhã, na janela dos meus pais, um pedacinho azul e calmo. À saída do carro, o silêncio distante, cortado por gritinhos mais perto. A meio caminho, em bicos de pés, verde esperança pendurado. Ali estava: o dorso azul perfeito.
Às vezes a maré estava tão baixa que conseguia caminhar vários quilómetros com água abaixo dos joelhos. Vários quilómetros. Toda a gente sabe que um quilómetro é inversamente proporcional à altura do caminhante e que a água multiplica distâncias (com a corrente suficiente, era possível percorrer uma maratona sem sair do mesmo sítio).
Esses dias eram perfeitos para apanhar conquilhas. Depois de provar a temperatura com os pés, cavava um buraco à beira-mar. Um buraco honesto com o meu pé pequenino. O mais difícil era coordenar o calcanhar com a próxima onda. Uma conquilha só se deixa aparecer em condições muito específicas. A areia tinha de estar húmida mas não submersa em água. O ideal era que uma onda beijasse a inclinação da cova e mergulhasse em pouca abundância. Já para fazer piscinas, a conversa era diferente: era preferível um buraco onde as ondas não conseguissem chegar e cavar fundo o suficiente até se encontrar ouro. Toda a gente sabe que água no meio do areal é ouro. Mas oásis à parte, as conquilhas não gostam de piscinas. Muitas me fugiram porque as tentei apanhar com óculos de mergulho uns quilómetros água dentro. As conquilhas gostam de beira-mar. Gostam de esperar pelas ondas pequeninas. Eu gostava de as apanhar, nesse instante perfeito entre ondas, acumulá-las num balde ou saco transparente. Lava-las com água, tirar a areia. Às vezes devolvíamo-las à agua, antes de voltar para casa. Às vezes, à mesa, apanhava as já não-conquilhas para dentro de um prato. 


Há anos que não como conquilhas mas às vezes exagero no alho e nos coentros. Sabe sempre a dia perfeito.


terça-feira, 12 de maio de 2020

Notas de iPhone #2

6. Uma mulher anda sempre com um lápis na mão para apontar as ideias mal lhe venham à cabeça.

2. Somos feitos de água mas conseguimos agarrar-nos uns aos outros.

3. Bambi na cidade caracol na alface. 
  
4. Um cão que ladra ao seu próprio eco. 

5. As nuvens a passar tão rápido: será o céu que gira ou somos nós o vento?